terça-feira, 22 de setembro de 2009

Narração do desenvolvimento de um projeto interdisciplinar

Tema: Tempo
Público alvo: alunos da 5ª. Série ensino fundamental


Leny Pimenta

“ (...)reconhecer que o conhecimento histórico é parte de um conhecimento interdisciplinar...{e} compreender que as histórias individuais são parte integrantes de histórias coletivas” (PCNs-Brasil, 1998, p.43).

O objetivo desse trabalho é o de apresentar alguns resultados da experiência de desenvolver o conceito “tempo” sob o ponto de vista da História, ampliando para outras áreas do conhecimento dentro de uma prática do conteúdo curricular.
Entendendo que os diversos conceitos de “tempo” podem ser apreendidos ao longo de uma variedade de estudos interdisciplinares procuramos desenvolver um “espaçograma” evidenciando “tempo” como eixo temático e com possibilidades de relações entre disciplinas. Focamos o “tempo” em algumas dimensões: o cronológico, o vivido (social) e o histórico, tentando despertar no aluno a existência de outros tempos, possibilitando assim o estabelecimento de relações entre passado/presente através do reconhecimento de transformações e permanências.
“Esse movimento de tempo entendido como contradição e não como evolução progressiva – permite a reconstrução crítica” (CENP,1992, p.21).
A multidimensionalidade do tema, que colocamos como eixo temático, possibilitou a interlocução dos conteúdos de Ciências que tratam da concepção do tempo cíclico da natureza e do uso efetivo da razão para compreender e explicar a realidade estabelecendo relações entre observação e investigação; essas relações permitiram comparações e possibilitaram a compreensão dos fenômenos naturais e sociais com o tempo histórico quando tratamos de povos. Bakhtin, ao discutir o conceito de tempo, faz referências buscando indícios da marca do tempo na natureza e na vida do homem.
“O tempo se revela acima de tudo na natureza: no movimento do sol e das estrelas,... nos indícios sensíveis e visuais das estações do ano. Tudo isso relacionado aos movimentos que lhe correspondem na vida do homem (com seus costumes, sua atividade, seu trabalho) e que constituem o tempo cíclico,....Por outro lado, temos os sinais visíveis, mais complexos, do tempo histórico propriamente dito, as marcas visíveis das atividades criadora do homem, as marcas impressas por sua mão e por seu espírito: cidades, ruas, casas, obras de arte e de técnica, estrutura social, etc.” (BAKHTIN, 1997, p.243).

Desenvolvimento de atividades

No início das atividades, notei que os alunos tinham mais facilidade em assimilar textos históricos que narravam acontecimentos presentes, do que os textos históricos relacionados ao passado. Observando as causas das dificuldades notei que em grande parte delas estavam relacionadas, ao não domínio do conceito de temporalidade. Tentei facilitar o entendimento explorando os diferentes conceitos de tempo elaborando uma explicação superficial e imediata, mas foi praticamente em vão, pois percebi que meu discurso dificultou ainda mais o aprendizado. Tentei outro modo, considerei necessário desenvolver aulas introdutórias com os conceitos teóricos de tempo. Perseguindo os objetivos propostos pesquisamos e fizemos estudo de textos que apresentavam várias definições de tempo, em várias áreas do conhecimento; História, Geografia, Ciências ; o levantamento de idéias prévias sobre a questão dia e noite, direcionando para a contagem do tempo em dias, formados por 24 horas ( dia e noite) e em anos de aproximadamente 365 dias. Esses processos estão postos pelos fenômenos naturais, objeto de estudo da disciplina de Ciências. O objetivo era identificar nesse momento, qual era o entendimento dos alunos sobre a contagem do tempo. Solicitei auxilio da Profa. de Ciência e Tecnologia para que desenvolvêssemos com os alunos a montagem de um planetário. Assistimos inicialmente um vídeo produzido pela TV Cultura sobre Movimentos de rotação e translação que explicam o giro da terra, seus movimentos, a relação existente entre os movimentos e o dia e a noite e apresentam uma atividade que esclarece a confusão entre o movimento da Terra e o aparente movimento do Sol no céu. Após, fomos para a parte prática de construção do planetário, foi fantástica essa parte, utilizamos como ferramenta os blocos LEGO, já que os alunos estavam acostumados a trabalharem com esse material, dividimos a classe em equipes compostas de 4 alunos, conforme já estavam também acostumados a trabalhar nessa disciplina, distribuímos as maletas LEGO[1] (n°. 9645 mecanismos simples e motorizados) uma para cada equipe. Os alunos desenvolveram a montagem e simularam os movimentos de rotação e translação compreendendo de forma concreta como acontecem o dia e noite, as estações e até a eclipse solar e lunar.
A passagem para o raciocínio abstrato ainda não foi completada, daí a necessidade de os alunos verem, sentirem, tocarem concretamente conforme o demonstrado na operação LEGO e o tempo histórico se começa a ter sentido a partir da história de vida individual e aos poucos se insere na coletiva (família, escola, clubes...).
Atividades extra-classe

Foram propostas: uma atividade de observação, no final de semana: “O que o Sol e a Lua fazem durante o dia de 24 horas”; outra de elaboração de texto sobre “A História da Minha Vida” e depois a “História “de Vida dos Meus Pais” com o relato marcante de diversos períodos de vida, um pequeno memorial, incluindo:
Ø O meu tempo de vida enquanto bebê,
Ø O meu tempo de vida enquanto criança,
Ø O meu tempo de vida de estudo enquanto aluno.

Desse modo, à medida que os alunos partilhavam suas histórias, iam se percebendo participantes do mesmo tempo e período: nascimento na mesma década, moram na mesma cidade, estudam na mesma escola, gostam das mesmas brincadeiras, se gostam... Atuam como personagens na vida dos coleguinhas e na história presente. Então, “a vida” dos pais entra em cena. O passado dos pais determina, de certa maneira, o desfecho do presente, na vida do filho. Concluí que se estamos vinculados ao passado dos nossos pais, posso perfeitamente trabalhar a idéia de que estamos vinculados ao passado da História oficial.
“A destruição do passado, ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à gerações passadas – é um fenômeno mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem” (HOBSBAWM, 1995, p.13).

Idéias prévias

O levantamento das idéias prévias baseia-se na concepção de que “(...) o aprendizado das crianças começa muito antes delas freqüentarem a escola, qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia...o aprendizado tal qual ocorre na idade pré-escolar difere nitidamente do aprendizado escolar, o qual está voltado para a assimilação de fundamentos do conhecimento científico.” (VYGOTSKY,1999, p.110).
Os alunos estudam na disciplina de Ciências os movimentos da Terra; o aparente movimento do Sol e a relação existente entre estes e o fenômeno dia e noite. Só que todos já conheciam o movimento do Sol que nasce e se põe, formando o dia claro e escuro e a seqüência de “um dia atrás do outro” como se diz no provérbio popular. Nesse momento coube uma intervenção:
-Os dias passam; um depois do outro, formando os meses e o ano. Vocês sabem explicar como isso acontece?
-Eu sei, o Sol nasce, anda no céu e depois desaparece e depois vem a lua.
Outro diz: –O Sol não nasce, ele fica sempre no céu, é que ele esconde para a lua aparecer, eles não se encontram.
Quando a ênfase do estudo está centrada na aprendizagem de um conceito específico é conveniente que as atividades realizadas para tal fim se baseiem em fatos e acontecimentos que os alunos já conheçam ou saibam de certa forma.

Assim, foi que iniciamos o desenvolvimento do tema, com um diálogo sobre a concepção da formação do dia (claro/escuro). No dialogar, observei as idéias prévias, buscando sintetizar as diversas compreensões sobre o conceito de tempo.
Interessante que ao apresentar o tema que seria estudado notei que alguns alunos tentavam “(...) atribuir um sentido inicial ao novo conteúdo partindo de conhecimentos que supõem ou intuem que estão relacionados”. ( Miras, 1998,p.69).
Perguntei aos alunos: Quando o céu está escuro enxergamos várias estrelas, mas durante o dia não, só vemos o sol. Onde estão as estrelas que vemos a noite?
Responderam: No Japão.
Perguntei: Por quê?
Responderam: Porque quando aqui tá claro, no Japão ta escuro e quando fica escuro aqui, lá fica claro.
Com respostas, aparentemente equivocada, eles demonstraram serem capazes de associarem rapidamente a questão nova para eles, com conhecimentos previamente adquiridos. No desenvolver das demais atividades outros saberes foram revelando-se, esclarecendo pouco a pouco o que cada um realmente conhece ou se permite estar conhecendo.
“Dada à dificuldade de poder avaliar detalhadamente o conjunto dos conhecimentos prévios necessários, pode ser conveniente e ao mesmo tempo mais útil fazer uma exposição global..., adiando a avaliação de aspectos mais específicos ou pontuais, para o início ou durante as lições concretas” (MIRAS, 1998, p.73).
O entendimento formado no dia a dia fora da escola, nesse caso específico, criou uma compreensão parcial dos acontecimentos. A incompreensão, do desenvolvimento dos fenômenos que determinam a formação do dia de 24 horas e o ano de 365 dias, propiciando ao homem a demarcação de tempo em uma seqüência cronológica dificultam o entendimento de que são os movimentos da Terra que viabilizam a existência dos “Tempos Históricos.” Buscamos verificar qual havia sido o entendimento sobre os conceitos apresentados pelo vídeo após exibição, levantando algumas questões alguns conseguiram relacionar o aparente movimento do Sol com o real movimento da Terra; mas quando passamos para a construção do planetário percebemos que praticamente todos os alunos internalizaram os conceitos. Aceitando o aprendizado como satisfatório, através dos relatos demonstrou a eficiência da interação com os conteúdos de Ciências. Grande parte dos alunos, demonstraram ter algumas noções sobre os movimentos da Terra – conceitos previamente assimilados nos estudos anteriores, o que nos permitiu avançar mais na questão de que são esses fenômenos naturais que marcam o tempo. Nesse momento, todos nós sabíamos o que estávamos procurando, o entendimento das diferentes atuações dos fenômenos terrestres ( e os astros a sua volta) no tempo e na história. O perceber a relação do tempo cronológico, com os fenômenos naturais e a participação da cronologia, na documentação do tempo histórico auxiliaram na construção da narrativa histórica. Pressupostos confirmados nos trabalhos apresentados sobre História de Vida.
“Os conceitos permitem-nos organizar a realidade (...) Um conceito cientifico não é um conceito isolado, mas faz parte de uma hierarquia ou rede de conceitos” (POZO, 1998, p. 21).
Na construção do conceito “tempo” é necessário estabelecer uma relação entre o tempo cronológico, o tempo social (vivido) e o tempo histórico. Conhecer o conceito de “tempo” demarcado em seqüência linear, dia, meses e anos, é fundamentalmente para o entendimento buscado. A construção de conceitos é um dos grandes problemas da aprendizagem atual. Muitos professores pretendem conseguir que seus alunos aprendam conceitos, e descobrem que estes somente são capazes de repetir, mas não de compreender de forma significativa, comprometendo assim a elaboração de novos conceitos.
Para que os fatos históricos adquiram significados, os alunos precisam aprender conceitos que lhe permitam interpretá-los.

Considerações finais

A construção do conceito tempo ou de outros conceitos estruturantes, que atuam como auxiliares na compreensão dos conceitos específicos do conhecimento histórico, precisa fazer parte das preocupações dos professores e especialistas. Ao mesmo tempo deve-se compreender que os significados não são estáticos, “(...) são construídos ao longo da história dos grupos humanos, com base nas relações dos homens com o mundo físico e social em que vivem, eles estão em constante transformação” (OLIVEIRA, 1997, p. 48).

Referências bibliográficas

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CENP, Secretaria do Estado da Educação ( Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas) Proposta Curricular para o ensino de História.

BAKHTIN, Mikail. Estética da Criação Verbal. Trad. Maria Ermantina , Galvão G. Pereira. Martins Fontes, São Paulo, 1997.

HOBSBAWM, E. Era dos Extremos. O Breve Século XX 1914-1991, trad. Marcos Santarrita. São Paulo. Cia das Letras, 1995.

MIRAS, Mariana. O construtivismo na sala de aula: um ponto de partida para a aprendizagem de novos conteúdos - conhecimentos prévios. – Editora ASA.

POZO, Juan Ignácio. Teorias cognitivas da aprendizagem. Editora Artmed, 1998.

OLIVEIRA, Marta Kohl. Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997.


[1]LEGO blocos – maletas próprias para o desenvolvimento de Educação tecnológica, composto de protótipos semelhantes ao mundo real. Utilizando uma abordagem prática, os produtos utilizados (Lego) auxiliam a criança a obter uma compreensão do mecanismo, causa e efeito, experimentação básica com foco em explorar a lógica, busca natural da criança por investigar a forma que o mundo é organizado e como ele funciona.

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